domingo, 23 de setembro de 2007

Charge Jornalística

Neste artigo, fundamentadas nas idéias de Charles Sanders Peirce (1839-1914), notadamente as da gramática especulativa – referencial do qual podemos extrair estratégias metodológicas para a leitura e análise de processos empíricos de signos –, buscamos refletir sobre a charge política jornalística como um sistema concreto de signos.
Que papel ocupa a charge jornalística no universo da comunicação midiática? Que recursos fazem da charge um sistema de linguagem altamente corrosivo, que pode ferir e minar o poder? Seria a charge um campo de forças ideológicas que desmascara, pela galhofa, o mecanismo dos dominantes? Como se opera o diálogo entre a charge e o jornal? Essas questões norteiam esse trabalho, e, na busca de quase-respostas, implementamos nossa empreitada alicerçadas pela teoria semiótica peirceana como base de investigação que oferece meios para realizar a análise de uma estrutura sígnica, e, para examinar seu caráter ideológico, aliamos à teoria peirceana o instrumental teórico de Bakthin/Volosinov.
Sabemos que, no interior das ciências da linguagem, várias disciplinas se ocupam da significação, tais como Semântica Discursiva, Hermenêutica, Análise do Discurso, Semiótica, entre outras. Todas elas elegem a significação da linguagem como foco de análise, mas se destacam pelos seus próprios métodos, instrumentos e quadros metodológicos. Escolhemos, dentre elas, a teoria semiótica de Charles Sanders Peirce por partirmos da concepção de que “todo propósito de um signo é aquele de que ele deva ser interpretado em outro signo” (Peirce in Santaella, 2004, p. 87). Assim, o signo só completa o seu percurso se houver um interpretante, terceiro elemento da tríade signo, objeto, interpretante que, para Peirce, compõe o signo genuíno. É o interpretante que impulsiona a ação, a atividade relacional do signo, cumprindo o seguinte trajeto:
Um signo intenta representar, em parte, pelo menos, um Objeto, que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do Signo, mesmo se o Signo representar seu Objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu Objeto implica que ele afete uma mente de tal modo que, de certa maneira, determine, naquela mente, algo que é mediatamente devido ao Objeto. Essa determinação, da qual a causa imediata ou determinante é o Signo, e da qual a causa mediada é o Objeto, pode ser chamada de Interpretante (Peirce in Santaella, 2004, p. 62).
A charge constitui-se como um sistema de signos ou um sistema de linguagem. Segundo Santaella (2001, p. 374), “no seu avanço rumo ao objeto que representa, a linguagem é colocada frente a frente com o impossível, pois na sua pretensão de alcançar e agarrar o referente, a linguagem não pode senão arranhar o muro do ‘real’”. Ocorre daí uma imprevisibilidade de sentidos, suscitados de acordo com novas informações e relações operadas numa mente interpretadora que, por sua vez, processa uma infinita geração de signos que Peirce denomina semiose. Diante disso, pensamos ter justificadas as quase-respostas que esta leitura pode trazer à baila.
Feita essa ressalva sobre a incompletude da linguagem e sua abertura para outras apreensões de sentido, começaremos por descrever a charge que comumente se apresenta como um texto híbrido – visual-verbal – e, a partir desse cruzamento de sistemas de linguagem, procuraremos estabelecer os mecanismos responsáveis pela produção de sentidos dentro do universo da comunicação midiática. Lembremos aqui que estamos entendendo linguagem como alguma coisa que substitui outra e produz em uma mente algum efeito. Sendo um sistema de linguagem que se constitui de elementos gráficos – linha, forma, direção, cor, escala ou dimensão, dimensão e movimentos... – a imagem é uma representação que realiza a mediação simbólica necessária e inerente ao ser humano. Nessa linha de pensamento, somos seres simbólicos: entre eu e o outro se interpõe uma rede de signos que nos permite compreender o mundo e armazenar informações. É a linguagem que constrói a ponte necessária para percepções, orientações, ações, compreensões daquilo que chamamos realidade. Toda linguagem funciona como tal porque representa (símbolo), indica (índice) ou sugere algo (ícone): esta é a classificação peirceana do signo com relação ao objeto e terminologia de que lançaremos mão no desenvolvimento de nossas idéias.
Há na charge um plano de natureza predominantemente icônica – relativo à imagem enquanto representação do real – que age como interpretante do verbal (símbolo), podendo esse último – o texto verbal – configurar-se na própria charge ou estar embutido em outras partes do jornal. A presença desses dois códigos constitui a natureza dialógica da charge: palavra e imagem habitando um mesmo espaço intra ou extracharge (charge/jornal) estabelecem relações de redundância, complementaridade ou, até mesmo, de discrepância. Independentemente da relação que estabelecem, texto visual e texto verbal dialogam nesse sistema de linguagem sobre o qual nos debruçamos.
O texto icônico que compõe este sistema de linguagem, feito de linhas e formas que encerram idéias, conceitos, constitui-se de: a) oposições puras (vertical/horizontal; preto/figura; branco/fundo); b) predomínio de retas, curvas, diagonais que elaboram a deformação caricatural, usando os traços hiperbólicos que se tornam rudes a partir do momento em que o signo se “engravida” de ideologia. Pensamos que isto se dá devido ao fato de que todo signo tem um objeto, ou seja, todo signo se refere a um existente do mundo. O modo como ele se apresenta – fase da referência, fase de significação – é composto de qualidades, de elementos que o caracterizam em relação ao objeto. O signo denuncia o modo como o referente está presente dentro dele (do próprio signo), e, neste momento, o signo se enche de ideologia.
Cida e Tânia

4 comentários:

Cid disse...

Professoras: Vocês desenvolveram muitas atividades. Gostei da leitura de tudo o que encontrei por aqui. Vocês se expressaram muito bem e a pesquisa foi grande. Abraços.

alcantara disse...

Cid,
Obrigada pela atenção e sobre os comentários que tem feito das atividades, mas estamos com dificuldade em fazer a atividade do boletim de avaliação do aluno,não estamos conseguindo.
Beijos
Cida e Tânia

Cid disse...

Queridas: vocês sabem fazer isto muito bem. O Boletim é um gênero muito conhecido de vocês: a que serve? O que registra? Como é utilizado? Que tipo de comunicação expressa?Quais seriam suas finalidades?Em que esfera é produzido?Como poderia ser considerado na proposta provisória de agrupamento de gêneros? Viram meus amores? Vocês sabem tudo isso. Basta escrever sobre o que sabem, pois, ninguém saberá mais do que duas conceituadas educadoras como vocês. Beijos no coração.

alcantara disse...

cid,
Prometo a cada dia aprender mais, desculpe às vezes por estar solicitando orientações, mas a fonte em que recorro é muito atenciosa.
Obrigada por tudo.
Um forte abraço
Tânia